O Tribunal Constitucional (TC) do MPLA (versão anti-JES) rejeitou o pedido de Welwitschea Tchizé dos Santos para impugnar a decisão da Assembleia Nacional (do MPLA) que determinou a sua perda de mandato em Outubro do ano passado, devido à ausência prolongada no parlamento.
Em Dezembro, a ex-deputada do MPLA (partido no Poder desde 1975), e filha do antigo Presidente do país José Eduardo dos Santos, recorreu ao TC para que fosse invalidada a deliberação da Assembleia Nacional referente à sua perda de mandato.
No entanto, os juízes negaram provimento ao pedido, por considerarem que a resolução de 19 de Outubro da Assembleia Nacional “não violou preceitos constitucionais, o estatuto de deputada nem o código de ética e decoro parlamentar”, segundo o acórdão datado de 15 de Abril, assinado por 11 juízes conselheiros do plenário do Tribunal.
Nos fundamentos que apresentou, Tchizé dos Santos alegou ter sempre comunicado por escrito a razão dos seus impedimentos para participar nas reuniões enquanto deputada da Assembleia Nacional, ausências por motivos de doença própria e dos filhos que terão sido comprovadas por atestados médicos.
Tchizé dos Santos alegou ainda que não existiu o competente processo disciplinar para que pudesse defender-se e que a sanção da perda de mandato “ocorreu ao arrepio dos mais elementares direitos constitucionais”.
Além disso, “face ao estado de doença superior a 90 dias implicando tratamento no exterior, poderia o presidente da Assembleia Nacional ou, mesmo, o partido político da deputada requerer a suspensão do mandato”, argumentou.
O TC ouviu também o presidente da Assembleia Nacional que disse que a deputada não participou em várias reuniões “sem justificação plausível”, tentou “obstruir” a comissão criada para instruir o procedimento disciplinar e que tentou, sem sucesso, notificar a deputada de várias formas.
Quanto ao presidente do grupo parlamentar do MPLA, também citado no acórdão, assegura que “tudo fez para que a requerente não perdesse o mandato de deputada”.
O TC entendeu que “não se vislumbra qualquer violação da Constituição” na resolução em causa e diz que só foram justificadas quatro das 11 ausências nas sessões legislativas.
O Tribunal nota também que, face à invocação de um estado de doença superior a 90 dias, implicando tratamento no exterior, Tchizé dos Santos foi aconselhada pelo seu partido a suspender o mandato, “porém não se mostrou interessada a proceder da forma que se lhe impunha”.
Contactada pela Lusa, Tchizé dos Santos considerou que o Tribunal cometeu “um acto vergonhoso” ao dar razão ao parlamento, insistindo que não teve conhecimento do inquérito, não foi notificada e que não há provas dessa notificação.
“Mentiram aos deputados todos para provocar a votação. Mentiram [dizendo] que eu desapareci sem justificação para evitar a suspensão temporária do meu mandato, o que equivale a licença sem vencimento”, afirmou.
Votaram a favor da resolução o grupo parlamentar do MPLA e da UNITA, tendo optado pela abstenção a CASA-CE, PRS e FNLA.
Para Tchizé dos Santos, além de atropelo à lei magna do país, a decisão que deliberou a sua perda de mandato, “com base em informações falsas dadas de má-fé aos deputados” é um “atropelo à democracia angolana”.
Segundo a antiga deputada, não lhe foi dado conhecimento prévio de qualquer inquérito ou garantido “o Direito Humano e Constitucional a ser ouvida” e a defender-se, como manda o Regimento da Assembleia Nacional e a Constituição da República de Angola.
“Espero serenamente que as instituições angolanas estejam à altura do país e do povo angolano e que possam exigir a reposição da legalidade”, refere ainda no comunicado de imprensa de Dezembro do ano passado.
Na sua conta na rede social Instagram, Tchizé dos Santos observava depois do comunicado que os deputados cujo mandato seja suspenso temporariamente, não auferem salário, passando o deputado suplente ou substituto a auferir os salários e subsídios em seu lugar, até que cessem os motivos pelos quais o deputado eleito esteja impedido de participar nos trabalhos da Assembleia Nacional, altura em que pode regressar ao seu assento.
“Por estar ausente por motivos justificados, a medida adequada ao meu caso nunca seria a perda de mandato e sim a proposta de suspensão temporária do mandato, o que nunca poderia ocorrer antes da realização de um inquérito que cumprisse o que diz o Regimento da Assembleia Nacional, dando-me a possibilidade de explicar as minhas razões antes do agendamento da reunião plenária, como obriga a Constituição da República”, realça.
De acordo com Tchizé dos Santos, “o que ocorreu foi uma inconstitucionalidade e como tal não deve ter valor num Estado democrático de direito como Angola pretende mostrar ao mundo que é”.
Em rota de colisão com o Presidente do MPLA
No dia 10 de Maio de 2019, Tchizé dos Santos afirmou que o actual chefe de Estado, igualmente Presidente do MPLA, estava a fazer um “golpe de Estado às instituições” em Angola e pediu a destituição de João Lourenço.
Em declarações à agência Lusa, na altura deputada do MPLA e membro do seu Comité Central, assumiu que estava “involuntariamente” fora do país devido à doença da filha e que há vários meses estava a ser “intimidada” por dirigentes do partido no poder desde 1975.
Face à realidade em Angola, assumiu que estava à procura de advogados em Luanda para avançar para o Tribunal Constitucional angolano (embora este mais não seja do que uma sucursal do próprio MPLA) com “um pedido de “impeachment” [destituição]” de João Lourenço, e que também procurava o apoio de deputados para uma Comissão Parlamentar de Inquérito à actuação do actual chefe de Estado, igualmente Titular do Poder Executivo.
Tchizé dos Santos explicou as ameaças de que disse ser alvo – apontando mesmo uma alegada lista de várias figuras angolanas ligadas ao período da governação do pai, José Eduardo dos Santos (1979 — 2017), que as autoridades pretendiam impedir de sair de Angola – por ser uma voz que contesta algumas das orientações de João Lourenço. “O Presidente da República é conivente porque nada faz”, criticou.
“Está a haver um crime contra o Estado. Isto é um caso para ‘impeachment’. Este Presidente da República merece um ‘impeachment’”, afirmou Welwitschea Tchizé dos Santos, considerada a filha mais próxima, politicamente, do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.
Tchizé dos Santos falou em “abuso de poder” com a actual liderança em Angola, como o caso de outro deputado do MPLA, Manuel Rabelais, próximo do anterior chefe de Estado e que foi impedido pelas autoridades de embarcar num voo internacional, em Luanda, apesar da sua imunidade parlamentar.
Apontou igualmente a anunciada intenção de aumentar o número de elementos do Comité Central do MPLA com a liderança de João Lourenço, antes de um congresso ordinário, o que disse contrariar os estatutos: “Mas então as regras onde é que estão?”, questionou.
“É o senhor João Lourenço que me está a fazer a perseguição através do MPLA, porque ninguém no MPLA toma ali uma atitude sem a autorização do Presidente, ou sem a sua orientação”, afirmou.
Tchizé dos Santos assumiu os receios face aos ecos que recebe do partido e que tem vindo a denunciar publicamente, dizendo sem receios que mesmo fora do país é visada: “Passo a vida a receber ameaças”.
“E o partido não me protege, não me defende. A Lei obriga o Estado a prestar segurança aos deputados e eu não fui contactada por nenhum serviço consular, para saberem como é que eu estou, como é que eu não estou. Obviamente que isso é um forte indício de que a perseguição está a vir do Governo e o chefe do executivo é o Presidente da Republica”, apontou.
“Isto é um crime contra o Estado, um Presidente da República estar a atentar contra os direitos de um deputado eleito pelo povo para o supervisionar”, disse ainda Tchizé dos Santos, visando sempre João Lourenço.
Ainda assim, assumiu na altura que o seu partido é o MPLA, e acredita que ainda é possível “um entendimento” com a actual liderança de João Lourenço, desde que se garanta a separação de poderes, entre o Parlamento, o partido e o Presidente da República.
Tchizé afirmou também que além das críticas publicas que faz, através das redes sociais, as suas acções enquanto empreendedora junto da sociedade angolana, como foi a acção de formação de zungueiras que realizou em Luanda, entre outras, estava a “irritar” a actual liderança angolana.
Além disso, disse que estava a ser visada pelas intervenções do Presidente da República e líder do partido, sobre o uso das redes sociais por responsáveis do MPLA.
“Um Presidente que está a subverter o Estado democrático de direito está a tentar dar um golpe de Estado às instituições”, afirmou, sobre João Lourenço.
O ataque é sempre (ou quase) a melhor defesa
Tchizé dos Santos afirmou noutra altura que a transição no poder não foi a que Angola esperava, defendendo que o Presidente da República deve deixar de ser o “único” que pode “brilhar”.
Será que ela ainda se lembra de, em plena Assembleia Nacional, alguém do MPLA lhe ter perguntado: “Sabes quantas pessoas foram assassinadas no 27 de Maio de 1977?”
Numa altura em que comentava apenas os primeiros meses de governação de João Lourenço (que sucedeu ao pai, que foi por ele escolhido e de quem foi vice-presidente no MPLA e ministro da Defesa), e que estava na altura no auge da caça aos membros do clã Dos Santos, numa acção que se analisada na óptica da sua racionalidade económica se revela mais como um acerto de contas pessoais, Tchizé dos Santos afirmou: “Eu não posso afirmar isso [caça às bruxas], porque se afirmar isso se calhar saio daqui e sou processada pelo Presidente da República por difamação”.
Tendo na altura presente o momento de tensão entre o actual Presidente, João Lourenço, que acusou José Eduardo dos Santos de ter deixado os cofres públicos “vazios”, prontamente refutadas pelo ex-chefe de Estado, Tchizé confessou a sua surpresa.
“Eu falo como angolana, não era a transição que nenhum dos angolanos esperava. Para mim, a transição era uma festa, um momento ímpar e havia ali uma transição extremamente pacífica e sem contradições. Entretanto, pelas declarações do ex-Presidente e do actual Presidente, há uma contradição pública, não é desejável para nenhum partido político”, no caso o MPLA (partido no Poder desde 1975), afirmou.
Além deste momento, a transição ficou marcada também mas não só pela prisão de um dos filhos de José Eduardo dos Santos, José Filomeno dos Santos, investigado pela gestão do Fundo Soberano de Angola e que se encontra a ser julgado.
“Nós não queremos novos heróis, não queremos novos presos políticos e gostava de pedir que todos se abstivessem da tentação de manipular, ou tentar manipular, os órgãos do Estado, usando qualquer tipo de influência”, criticou.
Por isso, enfatizou Tchizé, Angola arrisca actualmente “perder uma grande oportunidade de fazer um ‘restart’ [recomeço]”, na actual liderança de João Lourenço.
“Mas ‘restart’ não quer dizer que se vai perdoar incondicionalmente os erros todos que acontecerem para trás e as pessoas que cometeram uma série de erros que afectaram todos”, disse.
Nesse sentido, Tchizé dos Santos defendeu que o governo deve “apenas priorizar o que é de facto importante. Há mais angolanos a passar fome do que há um ano atrás, há dois anos atrás, há três anos atrás, vamo-nos focar nestas pessoas”.
Recorrendo ao lema “Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”, adoptado pelo MPLA partido pelo qual era deputada há três mandatos além de membro do Comité Central, desde 2017, ainda com José Eduardo dos Santos, Tchizé dos Santos reclamou por uma mudança.
“O corrigir o que está mal também passa por deixarmos de vivermos num Estado em que o único que pode ter opinião é o Presidente da República, que a única pessoa que pode aparecer, brilhar e ser aplaudida é o Presidente da República. Numa democracia, num país, há vários actores, em várias áreas”, criticou. Isto, é claro, se Angola fosse uma democracia…
“Tem que haver uma nova geração de políticos e alguns mais-velhos, que existem e que são ponderados e que são pela conciliação, que diga ‘desculpem, mas não foi esta a Angola que todos sonhamos’. A Angola que todos sonhamos, que José Eduardo dos Santos, apesar de ser odiado por muitos, mas que é amado por muitos mais, construiu connosco é uma Angola do diálogo, da conciliação, do perdão e da reflexão e da projecção do futuro”, afirmou.
Para Tchizé dos Santos, ao não ter avançado com a recandidatura a Presidente da República nas eleições de 2017, tendo então avançado João Lourenço, José Eduardo dos Santos fê-lo “justamente para que pudesse ser lembrado como um bom patriota e democrata”.
“Não se volta a candidatar, faz uma transição no poder, porque queria em vida ver a consolidação e a consagração dessa democracia que hoje em dia é irrefutável”, apontou a empresária e política angolana, afirmando que o pai “não teve vida própria dos 37 anos de idade até hoje” por causa de Angola.
“Está na hora de os angolanos entenderem que os José Eduardo dos Santos fez questão que a democracia angolana fosse irreversível ao dar o passo que deu e todos nós devemos saber honrar, tal como honramos a paz efectiva, o calar das armas, acho que devemos saber honrar esse exemplo, único em África (…) Então, agora vamos aceitar que por conveniência politica — porque política é conveniência — por bajulação, por adoração, por incompreensão dos tempos ou incapacidade de leitura da História se continuem a cometer os mesmos erros?” – questionou ainda.
Diz Tchizé dos Santos sobre o seu pai: “Em 1979 [quando sucedeu ao primeiro Presidente angolano, António Agostinho Neto], o Presidente tinha poder discricionário, a primeira coisa que ele fez foi ter querido deixar de ter poder discricionário para mandar matar as pessoas. Aboliu a pena de morte”.
Folha 8 com Lusa